Enviado especial a Montevidéu, Ciudad Del Leste (Paraguai) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) - Entre as alamedas e históricos edifícios de Montevidéu, o Porto Livre ocupa toda a costa Oeste da parte velha do município. Instituído na década de 1990, o sistema de incentivo comercial na área portuária permite a livre circulação de mercadorias, sem pagamento de impostos, e prazo indeterminado para armazenagem, como se o proprietário da carga estivesse utilizando um depósito dentro de sua própria empresa. É deste enorme complexo que começa um poderoso comércio de importação subfaturada de pneus que tem lesado os cofres da Receita Federal brasileira em R$ 350 milhões ao ano.
Para conhecer de perto como funciona a importação, a reportagem do Estado de Minas foi até a capital uruguaia e se reuniu com um gerente logístico e um despachante aduaneiro como se fosse investidor interessado no ramo.
No rastro das facilidades
Baixo investimento é uma das vantagens do subfaturamento de pneus via Uruguai. Associação denuncia fronteira paraguaia, com pouca fiscalização, como rota de entrada.
Num dos vários escritórios da cidade velha de Montevidéu, mundialmente conhecida pelo churrasco de Parilla e atualmente marcada pela maciça presença de veículos de fabricação chinesa nas ruas (e no próprio porto), os engravatados agentes portuários não hesitaram em oferecer duas possibilidades de negócio a um desconhecido, porém aparentemente abastado interessado: importar os pneus já com a nota fiscal subfaturada ou utilizar trades, empresas intermediárias que fazem a troca de notas fiscais, no próprio Uruguai, em Miami ou no Panamá.
As principais vantagens do subfaturamento de pneus importados, ressaltaram os agentes portuários, estariam no baixo investimento — cerca de US$ 50 mil para um lote inicial de seis a oito contêineres, contra US$ 90 mil que seriam necessários para importar por um porto brasileiro, fora a possibilidade de estoque e entrega dos pneus a curto prazo.
Do Uruguai, os componentes enviados pelos profissionais poderiam chegar ao Brasil por navio, sendo reexportados sem o pagamento de taxas, ou em caminhões, entrando no país pelo Rio Grande do Sul, uma das rotas denunciadas pelo presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Produtos Automotivos (Abidipa), Rinaldo Siqueira Campos. “Parte da carga de pneus subfaturados que entra no Brasil passa pela Argentina e Paraguai, o que só faz sentido driblando os impostos destes países. Outra parte dos pneus entra no Brasil sem os documentos fiscais, sendo estes direcionados ao empresário paraguaio Nabil Chamsedinne”, afirma o executivo.
Esquema A Abidipa aponta a Sunset S.A.C.I.S., empresa de Chamsedinne, como principal importadora de quase 2 milhões de pneus subfaturados, principalmente de origem asiática, no Paraguai, em 2010. A denúncia foi protocolada à Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal, Receita Federal e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), em documentos ao qual o Estado de Minas teve acesso. Nos ofícios, o presidente da Abidipa relata que o esquema de Nabil teria começado há cerca de três anos, com uma média de três contêineres importados ao mês e hoje alcançaria a incrível marca de 200 contêineres mensais. “Cerca de 10 empresas fazem a distribuição dos pneus dentro do país. Essas empresas duram em média seis meses para não serem alcançadas pela Receita Federal”, alega Campos.
Uma das empresas, que estaria envolvida, é a Distribuidora de Produtos Pneumáticos Titan Ltda, com sede em Belo Horizonte. A situação cadastral da empresa junto ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), no entanto, está suspensa desde 6 de dezembro de 2010.
Entre as marcas de pneumáticos citadas na denúncia estão Clear, Maxxis, Wanli, Good Ride, Rotalla, Ling Long e West Lake. Na Impar (Importadora Paraguaya S.R.L.), outra empresa de Chamsedinne que funciona numa das vias de maior tráfego de Ciudad Del Leste, são oferecidos pneumáticos das quatro últimas marcas da lista. A segurança da loja, como em outras empresas do Paraguai, é reforçada por homens armados com escopetas.
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Na importadora Inpar, uma das empresas de Chamsedinne, em Ciudad Del Leste, a segurança é feita com homens armados com escopetas |
Fácil entrada Do Paraguai, os pneus do esquema da Sunset entrariam no Brasil por caminhões carregados por contêineres pela Ponte da Amizade, onde a fiscalização da Receita Federal aborda somente veículos suspeitos, ou por Pedro Juan Caballero, cidade marcada pelo forte comércio de produtos eletrônicos e cuja fronteira com o Brasil é delimitada por ruas de livre acesso, em que o pagamento de impostos é facultativo. “Segundo o Sr. Nabil, toda essa operação é protegida e tem a conivência de autoridades fiscais e policiais de ambos os países envolvidos”, garante Rinaldo.
Ao Estado de Minas, Nabil Chamsedinne disse estar surpreso com a denúncia. “Somos uma exportadora de pneus e trabalhamos no segmento há mais de 25 anos. Não temos nenhuma empresa comercial no Brasil. O que fazemos é vender para importadores brasileiros, e eles devem estar de acordo com a regulamentação do país. Não tenho conhecimento de como eles fazem a importação dos pneus, não tenho nada no Brasil nem moro lá. Quem deve fiscalizar isso é a Receita Federal e a Polícia Federal”, defende o empresário.
Solução Tanto importadores, que cumprem obrigações fiscais, quanto fabricantes de pneus instalados no país têm sido prejudicados com o subfaturamento, afirma o presidente da Abidipa. “A solução é que a tabela de preços para concessão de licença de importação, emitida pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex), órgão do Mdic, deixe de considerar apenas o quesito peso, que não leva em conta uma série de fatores, como o aro de cada pneu. Os atuais parâmetros estabelecidos pelo Decex são facilmente burlados por importadores de má-fé”.
Rinaldo, que também é proprietário de empresa de importação e distribuição em Brasília, cita como exemplo de subfaturamento o preço de um pneu aro 13 importado com e sem nota fiscal adulterada. “A prática tem possibilitado que a medida, muito utilizada em carros mais simples, chegue ao Brasil por até US$ 15,06. Só que o preço mínimo de mercado deste tipo de pneu é US$ 22,01, uma diferença de cerca de 30%”. A desigualdade fica ainda maior entre os pneus de aros 15 a 24, que chegam a custar a metade nas notas fiscais. “Principalmente nos pneus de alta performance, a partir do aro 17, a discrepância entre o preço real e o subfaturado alcança 100%”, diz Campos.
Para o Mdic, uma análise estatística mais apurada da importação dos pneus depende da indústria nacional. O órgão sugere, via assessoria de imprensa, que os fabricantes solicitem ao Departamento de Negociações Internacionais da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) que leve a discussão sobre a definição de preços dos pneus por meio de peso ao âmbito do Mercosul. “Assim a Nomenclatura Comum do Mercosul seria mais detalhada, o que possibilitaria o acompanhamento mais preciso sobre cada um dos tipos de pneus”, informa o Mdic.
Caminho do crime
Como os pneus subfaturados chegam ao Brasil, conforme a denúncia da Abidipa
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Na maioria asiáticos, os pneus chegam ao Uruguai de navio, em contêineres, e desembarcam no Porto Livre de Montevidéu |
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Do estoque do Porto Livre de Montevidéu, parte dos pneus seriam enviados ao Brasil em caminhões sem as notas fiscais, estas encaminhadas ao empresário paraguaio Nabil Chamsedinne. Outra parte dos pneus seguiria de caminhão para o Paraguai passando pela Argentina |
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Do Paraguai, os caminhões chegam ao Brasil passando pela Ponte da Amizade, entre Ciudad Del Leste e Foz do Iguaçú (PR), e por Pedro Juan Caballero, cujas ruas e avenidas tem acesso livre à Ponta Porã (MS). Para cada quatro contêineres que atravessam a fronteira, apenas um ou dois recolheriam tributos para disfarçar e legalizar a operação |
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No Brasil, empresas que teriam adquirido os pneus oriundos da importação fraudulenta receberiam a carga |